Gestão Antissuborno no Setor Automotivo

O setor automotivo tem três atributos principais de uma indústria propensa a riscos de corrupção de suborno:

  • operações espalhadas pelo mundo recebendo diversas influências culturais;
  • altos níveis de interações governamentais e de vendas;
  • cadeias globais de fornecimento estruturadas com redes de fornecedores, bem como fornecedores para esses fornecedores.

Como resultado, não é surpresa que muitas empresas do setor automotivo, incluindo fabricantes e fornecedores de primeira linha, tenham passado grande parte da última década fortalecendo seus programas de conformidade antissuborno, em consonância com a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos EUA (FCPA), e outros regulamentos.

Com o lançamento de normas de sistemas de gestão de compliance e antissuborno emitidas pela Organização Internacional de Normalização (ISO), as organizações globais passaram a dispor de diretrizes, requisitos e ferramentas que podem ajudar a gerenciar os riscos e custos de descumprimento de leis antissuborno.

A norma ISO 19600, publicada em 2014, apresenta diretrizes sobre sistemas de gestão de compliance e sobre práticas recomendadas, não sendo, portanto, uma norma contra a qual se possa buscar uma certificação. Já a norma ISO 37001, publicada em 2016, especifica e fornece orientações para o estabelecimento, implementação, manutenção, análise crítica e melhoria de um sistema de gestão antissuborno.

Por especificar requisitos, a ISO 37001 permite a certificação de um sistema de gestão antissuborno cuja implementação dos requisitos de mostre efetiva.

Cabe ressaltar que a ISO é uma organização não governamental, que conta com a participação de mais de 160 organismos nacionais de normalização, como a ABNT, pelo Brasil. O que resulta que suas normas refletem o consenso das melhoras práticas internacionais nos temas em questão. Notadamente, as normas ISO 19600 e ISO 37001 contaram em sua elaboração com referenciais regulatórios de muitos países como o FCPA dos EUA, o Anti-Bribery Act do Reino Unido e a Lei 12.846 conhecida como “Lei da Empresa Limpa” no Brasil.

Dessa forma, a natureza global das normas ISO se apresenta como uma vantagem para as organizações que operam e são originárias de regiões em todo o mundo. Além disso, ao tratar os programas de integridade descritos nos referenciais regulatórios, através de uma abordagem sistêmica, as normas permitem às organizações integrar o sistema de gestão de compliance e/ou antisuborno a sistemas de gestão existentes como os de qualidade, meio ambiente e saúde e segurança ocupacional.

Segundo especialistas, o grande volume de ações de fiscalização na indústria automobilística, direcionadas ao nível das OEMs, aumentou a importância de ter controles internos, sistemas de TI e programas de conformidade robustos e efetivos. Além disso, a tendência de fiscalização se estendeu também aos fornecedores automotivos, fazendo com que as OEMs passassem a considerar a adoção de medidas apropriadas para avaliar o estado de seus processos e controles, estendendo-as para sua cadeia de fornecimento.

Se os fornecedores de alto risco de uma OEM puderem demonstrar que atendem os requisitos da ISO 37001, isso significa que seu fornecimento direto tem um programa para empreender a devida diligência no próximo nível da cadeia de fornecimento.

Para estes fornecedores, o atendimento aos requisitos da ISO 37001 pode ajudar a reforçar seus programas de ética e conformidade, e impulsionar ainda mais a devida diligência nas suas próprias cadeias de fornecimento.

Partindo de princípios fundamentais como o pensamento baseado em risco e a abordagem por processos, a norma ISO 37001 requer que a organização analise o contexto em que atua e os riscos de suborno a que está exposta, para então desenhar um sistema de gestão que seja adequado e proporcional ao gerenciamento desses riscos. A abordagem por processos propicia a melhoria contínua do sistema de gestão, não apenas através da análise critica do sistema e da implementação de ajustes ao mesmo, objetivando o alcance dos resultados pretendidos, mas também pela análise periódica dos riscos, já que os mesmos podem mudar.

À medida que fabricantes e fornecedores de automóveis implementem a nova norma ISO 37001, realizando avaliações periódicas de riscos para identificar aqueles relacionados a suborno, eles poderão constatar que têm riscos significativos além daqueles representados por áreas historicamente identificadas, como as redes de distribuição e revendedores, e fornecedores de serviços indiretos, como logística e serviços alfandegários para frete internacional e transporte.

Numa era em que a indústria automobilística evolui em direção a veículos conectados, preferências de consumidores envolvendo novos modelos de propriedade e outras mudanças em suas operações comerciais, fabricantes e fornecedores descobrirão que estão trabalhando com novas áreas de governo e novos agentes que fazem interface com funcionários do governo. É importante que as organizações estejam na fronteira das mudanças nessas áreas, para que possam modificar seus programas e lidar com esses novos riscos de maneira efetiva.

Enquanto o FCPA abrange apenas situações de suborno envolvendo interações com autoridades governamentais estrangeiras, seja com executivos e funcionários de uma organização, ou com partes externas, como agentes, a norma ISO 37001 abrange instâncias comerciais e governamentais de suborno. Por ser uma norma de requisitos, ela propicia a verificação da implementação de seus requisitos através do mecanismo de certificação, que, por definição clássica, deve ser conduzida por entidade independente e acreditada, o que indica que tem competência reconhecida por órgão oficial, como o INMETRO, no caso do Brasil.

A certificação na norma ISO 37001 não significa que a empresa está em conformidade com a lei, ou que não incorreu ou incorrerá em atos de suborno. Indica, entretanto, que a organização identificou adequadamente seus riscos de suborno e desenvolveu, mantém e aprimora permanentemente um sistema de gestão direcionado para o efetivo gerenciamento desses riscos. Além de uma demonstração de interesse e comprometimento na restrição aos riscos de suborno, a empresa passa a contar com documentos e registros que auxiliam em eventuais processos de investigação, que terão maiores chances de serem concluídos mais rapidamente, tornando-se menos desgastantes e dispendiosos.

A importância dada ao assunto pelo setor automotivo pode ser medida pela última revisão da norma de gestão da qualidade mais utilizada internacionalmente por ele. A IATF 16949, cuja certificação é obrigatória para todos os fornecedores, passou a incluir na revisão de 2016, linguagem sobre ética corporativa, pela primeira vez na história. Nove OEMs norte-americanas e europeias e cinco associações nacionais de fornecedores automotivos concordaram em incluir os requisitos de responsabilidade corporativa na nova norma da qualidade IATF 16949.

A linguagem é básica, mas exige claramente que os sites automotivos em todo o mundo demonstrem que eles estabeleceram um código de expectativa de comportamento do funcionário, implementaram um processo formal para denunciar violações ao código e publicaram uma política antissuborno.

Até o final de 2018, mais de 65.000 sites de fornecedores certificados de acordo com a IATF 16949 – principalmente os fabricantes de peças diretas Tier One e Tier Two – devem ser fisicamente auditados e re-certificados por um órgão de certificação independente aprovado pela IATF. A não conformidade pode resultar na suspensão da certificação de um fornecedor e limitar seu acesso a novas oportunidades de negócios.

 

 

Autora: Carmen Pilar Zabaleta. MBA em Gestão Empresarial pela FGV-RJ. Pós Graduação em Engenharia de Produção, ênfase em Tecnologias de Gestão para Produtividade e Qualidade pela UFRJ. Formação em Compliance: Sistema de Gestão Anticorrupção pela Chediak Advogados e BRA Certificadora. Auditora de Sistemas de Gestão da Qualidade certificada pela Exemplar Global, graduada em Engenharia Química pela UERJ. Trabalhou em empresas como PETROFLEX (atual ARLANXEO), REMA TIP TOP (Grupo Stahlgruber) e SOUZA CRUZ. Atuou pelo INMETRO em fóruns tais como CONMETRO, MERCOSUL, PBQP e Programa Qualidade Rio; e também participou de vários projetos relacionados às áreas da Tecnologia Industrial Básica, dentre eles o “Programa de Análise da Qualidade de Produtos”, veiculado pela mídia. Liderou a criação e acreditação do 3º. Organismo de Certificação de Pessoas no Brasil e o desenvolvimento dos prêmios estaduais da qualidade do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, ambos pioneiramente chancelados pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Durante 9 anos foi representante para América Latina do RABQSA Intl, membro da família ASQ, tendo sido também Global Technical Manager e General Manager Latin America dessa entidade. Participa da ABNT / CEE 309 – Governança das Organizações. É avaliadora da EXEMPLAR GLOBAL para certificação de cursos de formação de auditores de Sistemas de Gestão, em diferentes países, e consultora do IBP na área de certificação de pessoas conforme a ISO 17024. Formação em IATF 16949:16 – Sistema de Gestão da Qualidade para o Setor Automotivo.