Indicadores de compliance ou ações de combate à corrupção em relatórios de sustentabilidade

Indicadores de compliance ou ações de combate à corrupção em relatórios de sustentabilidade. Quem deve reportar? Quem deve comunicar? e Quem deve explicar?

 

Independentemente da obrigatoriedade de se publicar indicadores de sustentabilidade, bem como indicadores de ações de combate à corrupção, poucas organizações aproveitam os seus Relatórios de Sustentabilidade para efetivamente comunicar de forma mensurável suas ações nesses temas. Algumas mencionam ações genéricas, sem detalhes, enquanto outras apenas mencionam que possuem um Código de Ética, como se isso bastasse para demonstrar o engajamento da empresa no combate à corrupção em sua esfera de atuação.

 

Acreditamos que essas práticas, apesar de terem seu mérito, não são suficientes para dar transparência ao mercado sobre as ações concretas da organização em termos de sustentabilidade e para assegurar a confiança dos acionistas. O que se vê é um longo caminho pela frente para termos informações públicas sobre o efetivo compromisso das organizações no enfrentamento e combate à corrupção.

 

As empresas listadas em bolsa são um exemplo do aprimoramento de práticas de combate à corrupção, seja por que precisam atrair investidores, seja pela pressão em utilizar e demonstrar que seguem princípios de boa governança que gerem confiança para os seus atuais investidores ou por terem que estar em conformidade com Leis e Instruções Normativas da CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

 

Em dezembro de 2011, a B3 (antiga BM&F BOVESPA) lançou um projeto chamado “Relate ou Explique para Relatório de Sustentabilidade ou Integrado”. O objetivo era solicitar que as empresas listadas em bolsa informassem se e onde publicavam informações de ESG (environmental, social and governance). Em caso negativo, pedia-se uma explicação da razão de não reportarem. A ideia era incentivar a adesão voluntária ao relato de práticas socioambientais e de governança. Essa informação era fornecida no Formulário de Referência, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, em um item genérico: “Item 7.8: Outras informações relevantes de longo prazo”. O crescimento das empresas que informaram esses dados foi grande, atingindo 151 empresas (ou 34,8% das 435 empresas hoje listadas na B3). Entre aquelas que publicavam essas informações e que não publicavam, mas que justificavam, eram 311 empresas (71,7%).

 

 

O que era apenas uma iniciativa de adesão voluntária promovida pela B3, com o tempo se tornou um requisito obrigatório em relação ao reporte de performance socioambiental e, em 2016, a CVM tornou obrigatório o disclosure sobre informações socioambientais para as empresas de capital aberto, transformando o Item 7.8 em campo exclusivo para informações socioambientais.

 

A partir de 2017, a B3 lançou a iniciativa “Relate ou Explique para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, que objetiva estimular a transparência das estratégias e ações das companhias listadas em relação aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis estabelecidos pela ONU. Por meio desta iniciativa, a B3 recomenda que as empresas listadas informem, anualmente, por meio de breve pesquisa eletrônica, se elaboram relatório de sustentabilidade ou integrado levando em conta os ODS. Caso não informem, devem indicar a razão (mesmo formato da outra iniciativa).

 

Pela nossa experiência, a questão de combate a corrupção seguirá pelo mesmo caminho: algo que hoje é voluntário, com o tempo será obrigatório. Assim as organizações devem se preparar para essa comunicação, lembrando que a Lei 12.846 foi publicada em 2013 e o Decreto 8.420 em 2015.

 

E onde entram os indicadores de combate a corrupção e suborno?

 

Com relação aos ODS[1], todos eles são impactados pela corrupção. No entanto, o Objetivo 16 é o que trata diretamente sobre esse aspecto. O texto desse objetivo diz “Corrupção, suborno, roubo e evasão de impostos custam cerca de USD 1,26 trilhão para os países em desenvolvimento por ano”. Isto traz sérias repercussões para o desenvolvimento sustentável global, uma vez que níveis elevados de corrupção geram baixos níveis de sustentabilidade, tanto no âmbito das organizações, quanto no nível da sociedade.

 

Além disso, o 10º princípio do Pacto Global trata diretamente desse tema (Princípio 10: As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina[2]).

 

No Brasil, são 746 signatárias do Pacto, sendo 67 listadas em bolsa. Destas últimas, seis estão engajadas em grupos de trabalho de Combate à Corrupção do Pacto Global e 65 comunicam suas ações com relação ao 10º Princípio.

 

Já as empresas com nível de Governança “Novo Mercado” se submetem às Instruções Normativas da CVM para efetuarem os seus reportes e informações relativas à boa governança corporativa também tratam de aspectos que se relacionam ao combate à corrupção.

 

Atualmente, mais de 100 empresas submetem seus questionários para o processo do ISE-Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, que considera aspectos da sustentabilidade corporativa baseados, entre outros, em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa.

 

Outro exemplo: em 2017, 83 empresas brasileiras submeteram seus relatórios à GRI – Global Reporting Initiative[3]. Dessas, 53 são listadas na B3. Embora, de acordo com relatório disponível, 121 empresas listadas em bolsa desenvolveram seu relatório inspirado no GRI (ou modelo completo), nem todas os submeteram ou foram aprovados pela GRI.

 

Essas empresas narram três indicadores relacionados diretamente à corrupção (SO3, SO4 e SO5[4]). Apesar de todas as empresas terem que dizer o que fizeram com relação a isso, nem todas precisam ter feito algo. Para a GRI, deve-se informar o que foi feito, mesmo que a resposta seja que não fizeram quase nada.  De qualquer forma, é importante relatar tais informações.

 

O Instituto Ethos coordena a iniciativa “Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção”, sendo que 643 empresas já aderiram ao Pacto, 45 delas com ações na B3.

 

Ou seja, iniciativas envolvendo o combate à corrupção são cada vez mais frequentes e, pelo dano que práticas corruptas causam à sociedade, o enforcement legal ou setorial será cada vez maior.

 

No entanto, há ainda muito a caminhar no sentido do disclosure de informações relacionadas ao combate à corrupção pelas empresas, uma vez que os diferentes stakeholders estão interessados nesse tipo de informações. As organizações da sociedade civil, por exemplo, têm levado tais informações a conhecimento público, promovendo a demanda por níveis crescentes de transparência por parte das empresas. Em alguns casos, essas informações impactam a decisão de compra do consumidor. Os investidores, como se baseiam em dados para tomarem decisões sobre em quais empresas investir, utilizam informações sobre práticas de combate à corrupção para avaliar a credibilidade e o risco de empresas. Grandes empresas, por outro lado, também têm buscado informações sobre práticas éticas e íntegras de seus fornecedores, evitando problemas futuros em suas cadeias de valor. Governos e agências reguladoras de setores historicamente envolvidos com práticas de corrupção têm avaliado as informações disponibilizadas pelas empresas em seus relatórios para definir controles aprimorar políticas públicas. Veículos de comunicação se interessam por informações sobre combate à corrupção para poderem promover uma sociedade mais correta e, em países como o Brasil, perturbado por casos de corrupção, os relatórios de sustentabilidade podem se tornar fontes importantes para jornalistas e analistas.

 

No período pós-crise financeira que o mundo vive, os esforços de diminuir a volatilidade da economia passam pelo combate à corrupção corporativa e a transparência de informações em relatórios são essências nesse movimento, pois ajudam as sociedades a terem um crescimento robusto e sustentando, com a criação de riqueza real para todos os setores da sociedade.

 

No entanto, para que os relatos sejam instrumentos que contribuem para a formação de um ambiente saudável e que combate a corrupção endêmica, alguns alertas devem ser dados:

 

  1. Os relatórios de sustentabilidade não devem ser apenas instrumentos de comunicação ou de relações públicas, mas refletirem práticas reais das organizações, tanto internamente, quanto junto à sua cadeia de valor.
  2. Os diferentes stakeholders devem realmente utilizar os relatórios como fonte para ação junto às empresas ou setores, o que, infelizmente, ainda não é da forma como poderia ser.
  3. As organizações devem entender o assurance em seus relatórios é uma ferramenta útil para o aprimoramento do próprio relatório e das práticas em sustentabilidade das organizações e não um “selo” para mostrar à sociedade.

 

Finalmente, hoje não se entende sustentabilidade corporativa sem a produção de relatórios. Na mesma medida, deve-se entender que, a depender do setor, dar destaque ao tema de combate à corrupção nessas publicações é essencial para que a empresa se diferencie de outras de seu segmento, envolvidas em práticas ilegais.

 

Autor: Marcelo Linguitte. Especialista em sustentabilidade empresarial, ética, responsabilidade social e empresas & direitos humanos. Mestrando em Gestão Urbana pela POLI-USP, pós-graduado em Responsabilidade Social pela FGV-SP, especialização em Ética pela COGEAE/PUC-SP e Engenheiro Civil pela POLI-USP. Tem atuado há mais de 25 anos com empresas e organizações não governamentais e multilaterais em mais de 20 países. Em 2002, foi convidado pelo US Department of State para participar do International Visitor Leadership Program. Estruturou a rede brasileira do Pacto Global da ONU e foi o seu primeiro ponto focal no país. Foi representante do Instituto Ethos na ISO 26000 e membro do conselho do ISE (BM&F  Bovespa). Foi um dos criadores dos Indicadores Ethos e dos “Critérios de investimentos socialmente responsáveis para Fundos de Pensão” (Ethos-Abrapp). Gerenciou projetos de sustentabilidade, inovação, gestão de stakeholders e ética em algumas das maiores empresas da América Latina, como Petrobras, Johnson & Johnson, Itaú-Unibanco, Whirpool, CPFL, Fiat Automóveis, Cementos Argos, Bancolombia e Embotelladora Andina. É também auditor líder de Asseguração de Relatórios de Sustentabilidade, de Avaliação e Monitoramento de Programas Socioambientais e da ISO 26000. Atua também como palestrante, no Brasil e exterior, tendo apresentando mais de 250 palestras, seminários, cursos e workshops nos últimos anos.

[1] Ver https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/

[2] Ver http://www.pactoglobal.org.br/artigo/56/Os-10-principios.

[3] Muitas outras desenvolveram seus relatórios de sustentabilidade utilizando o modelo GRI sem, no entanto, submeter à organização.

[4] SO3: Número total e percentual de operações submetidas a avaliações de riscos relacionados à corrupção e os riscos significativos identificados; SO4: Comunicação e treinamento em políticas e procedimentos de combate à corrupção; e SO5: Casos confirmados de corrupção e medidas tomadas.