A cultura organizacional é o que define o sucesso ou o fracasso de um programa de compliance

Existe um consenso entre especialistas que cultura organizacional é um conjunto de elementos, como valores, crenças, ideologias, hábitos, costumes e normas que são compartilhados pelos indivíduos de uma organização, e que surgem da interação social entre os stakeholders internos e externos à organização.

A partir dessa interação, emergem comportamentos característicos, terminando por estabelecer uma identidade organizacional, o que diferencia uma dada organização de outras tantas. Para esse aspecto de cultura organizacional, vale a pena ler o excelente livro de Reinaldo Dias (Cultura Organizacional, Editora Alínea, 2012).

Em entrevista, Jermyn Brooks, membro e ex-conselheiro da Transparência Internacional, fala da relevância de, além de procedimentos de punição, as organizações desenvolverem mecanismos de incentivo para a prática ética, de compliance e de combate a transgressões. Como ele ressalta, a conjugação de práticas punitivas e de incentivo é o que traz mais resultado na criação de uma cultura organizacional de integridade.

Em síntese, a entrevista de Brooks enfoca “cultura”: é ela que define o sucesso ou o fracasso de qualquer programa de integridade, compliance, ética, sustentabilidade… enfim, qualquer iniciativa e tema que dependam diretamente da presença robusta de valores e cosmovisões específicas. Portanto, ainda que processos e políticas claras e necessárias coloquem o tabuleiro e as regras da partida, é, em última instância, na cultura organizacional que irá residir a força para que uma empresa trilhe o caminho da integridade. Por isso, todo programa de compliance, ética e integridade devem ser suportados por um programa de mudança cultural intenso e eficiente.

Brooks cita os casos de Siemens e Odebrecht como empresas que estão avançando na recuperação e/ou fortalecimento de uma cultura de integridade. As empresas que se envolveram com corrupção e que foram obrigadas a modificar seus comportamentos e práticas por pressões externas – por imposição legal ou não – se depararam com um aspecto muito importante: a restauração de uma cultura que era forte, mas que foi fragilizada pelas denúncias e exposição na mídia.

Algumas empresas escolheram o caminho da punição pura e simples, como forma de excluir aqueles que transgrediram, e fortalecer processos de controle. Outras, viram nessa crise uma oportunidade para ampliar sua capacidade de resiliência permitindo que elas rapidamente voltassem aos antigos patamares de operação, e para criar mecanismos de restauração cultural, uma vez que as equipes passaram a sentir imersas em uma organização vilã, má e perversa. Essa percepção causa muitos danos à moral dos colaboradores e enfraquece seu engajamento com a companhia.

A Griscom acredita que é essencial, paralelamente a procedimentos, políticas e mecanismos de controle, o cuidado com a restauração da cultura organizacional, permitindo que ela aprenda com os erros e que compreenda suas sombras, que não crie um ambiente de “caça às bruxas”, e que encontre na sua própria história forças para ir para outros patamares de desempenho. Vivemos em uma época que já compreendeu que punição, controle e imposição, sem que haja restauração e engajamento voluntário a valores e princípios, irão criar organizações que agem mais pelo medo da punição, que pela satisfação de ter realizado o que é correto.

 

Entrevista de Jermyn Brooks para Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/10/1931337-bonus-pagos-a-executivos-estimulam-corrupcao-diz-conselheiro-da-odebrecht.shtml

Boa leitura!

 

Marcelo Linguitte – Especialista em sustentabilidade empresarial, ética, responsabilidade social e empresas & direitos humanos. Mestrando em Gestão Urbana pela POLI-USP, pós-graduado em Responsabilidade Social pela FGV-SP, especialização em Ética pela COGEAE/PUC-SP e Engenheiro Civil pela POLI-USP. Tem atuado há mais de 25 anos com empresas e organizações não governamentais e multilaterais em mais de 20 países. Em 2002, foi convidado pelo US Department of State para participar do International Visitor Leadership Program. Estruturou a rede brasileira do Pacto Global da ONU e foi o seu primeiro ponto focal no país. Foi representante do Instituto Ethos na ISO 26000 e membro do conselho do ISE (BM&F  Bovespa). Foi um dos criadores dos Indicadores Ethos e dos “Critérios de investimentos socialmente responsáveis para Fundos de Pensão” (Ethos-Abrapp). Gerenciou projetos de sustentabilidade, inovação, gestão de stakeholders e ética em algumas das maiores empresas da América Latina, como Petrobras, Johnson & Johnson, Itaú-Unibanco, Whirpool, CPFL, Fiat Automóveis, Cementos Argos, Bancolombia e Embotelladora Andina. É também auditor líder de Asseguração de Relatórios de Sustentabilidade, de Avaliação e Monitoramento de Programas Socioambientais e da ISO 26000. Atua também como palestrante, no Brasil e exterior, tendo apresentando mais de 250 palestras, seminários, cursos e workshops nos últimos anos.