ÉTICA, A BASE DO COMPLIANCE

Considere as seguintes situações: primeiro, você se vê diante de um pedido de um cliente que deseja contratar seus serviços de consultoria, mas precisa ter três propostas apresentadas. Ele solicita a você que fale com colegas consultores, pedindo que mandem propostas com valores mais altos do que o seu. Segundo, você é responsável pela área de investimentos de um banco e deve decidir sobre investir em um projeto com alto potencial de lucro, aprovado pela legislação local, mas que também apresenta elevadíssimo impacto ambiental, principalmente nas emissões de gases efeito estufa. Pensou? O que você faria?

A princípio, essas situações dizem respeito a aspectos operacionais do dia a dia das empresas. Mas, se olharmos atentamente, elas nos fazem perguntas sobre nosso comportamento ético: quais são os meus princípios e quais são os meus valores. São perguntas que, ao respondermos, dizem muito sobre como nos posicionamos perante os desafios que nos são apresentados. Isso significa que nossas respostas às situações quotidianas exteriorizam nossa visão de mundo e nosso modo de estar no mundo. Elas demonstram, ao final, nossa ética.

Ética vem do grego ethos, que significa a “morada do homem”. É a conduta que expressa quem somos e que nos caracteriza como indivíduos. Cada um, sem exceção, tem a sua ética própria. Nossa ética simboliza o princípio que nos move.

Nesse sentido, é importante separar ética de moral, que vem do vocábulo latino “mores” (hábitos ou costumes). A moral identifica as regras para viver em sociedade (adotadas ou aceitas por convenção), escritas ou não, normalmente fruto de experiências sociais. Assim, se por um lado, a observância da moral vigente gera aprovação, sua inobservância gera desaprovação.

Voltando às situações acima, do ponto de vista da ética, elas representam um dilema, termo com origem grega que se pode traduzir como “duas premissas” e que nos chegou pela palavra latina dilemma. Um dilema, portanto, é uma situação onde duas proposições contrárias e disjuntivas são apresentadas: ao aprovar ou negar qualquer uma destas duas proposições, a outra é consequentemente aprovada ou negada. O interessante do dilema é que as duas proposições são aceitáveis. Nenhuma delas é completamente boa ou completamente ruim. Um dilema nunca se dá entre alternativas onde uma é positiva e outra negativa. Neste caso, não há dilema, pois, a escolha é fácil.

As decisões de contatar outros colegas consultores e investir em um projeto danoso ao meio ambiente dependem de cada profissional. A primeira situação é mais clara e apresenta um dilema: ganhar a concorrência, organizando as propostas, o que não seria moralmente defensável, ou arriscar não ganhar, uma vez que o cliente abriria a concorrência para a participação de outras empresas. O segundo é mais sútil: se o projeto foi aprovado pelos órgãos competentes, mesmo com os danos provocados, porque não investir nele?

Em ambos os casos, a solução está no compliance.  A palavra vem do verbo inglês “to comply” e significa estar absolutamente em linha com normas, controles internos e externos, além de todas as políticas e diretrizes estabelecidas para o negócio. E isso vale para todas as dimensões da empresa: trabalhista, fiscal, contábil, financeira, ambiental, jurídica, previdenciária, ética etc. Assim, não devemos pensar que compliance diz respeito apenas ao cumprimento de leis e normas. Ele também se relaciona ao alinhamento dos colaboradores a todas as políticas definidas pela organização, sejam elas obrigatórias ou voluntárias.

Do ponto de vista da moral, na segunda situação, nada impede que você aprove o investimento no projeto, afinal, a legislação o considera adequado. Assim, investir ou não dependerá mais de fatores éticos do que morais, além de uma avaliação do impacto da decisão sobre a imagem do banco. Nessa situação, as políticas de investimento do banco irão definir se os recursos vão para esse projeto ou não. Aqui, a questão é puramente ética: seguir diretrizes que o banco se auto impõe. Em outras palavras, seguir a ética da empresa, que é expressa em suas políticas e, caso tenha, em seu código de ética. Como a ética do profissional se expressa em sua consciência e se materializa em sua conduta, nem sempre ela estará alinhada com as diretrizes da organização. Nestes casos, o que prevalece são as linhas definidas pela organização. Ou seja, compliance. Mas, perceba, é um compliance relacionado às diretrizes da empresa, não a questões legais. Por isso, um erro tremendo das organizações é achar que compliance se refere apenas ao seguimento de leis e regulações setoriais. No caso do investimento, tudo está no campo da ética, ou seja, dos critérios que pessoas (físicas ou jurídicas) utilizam para tomar decisões, uma vez que não há impedimento moral que os impeça de investir no projeto. Mas, ainda sim, é compliance. Por isso, para que as políticas e códigos de ética de uma organização efetivamente funcionem e possam orientar a tomada de decisões, é necessário que elas estejam disseminadas na organização e que sejam uma ferramenta de uso frequente, caso contrário, servirão apenas para enfeitar as paredes do escritório, sem que tenham utilidade prática.

Por outro lado, na primeira situação, o que se tem é algo diferente, mais fácil de ser avaliado. Trata-se de uma transgressão a parâmetros concorrências que regem o mercado e que distorcem aquilo que deveria ser o fluxo natural dos negócios. Neste caso, temos um impedimento moral, uma vez que há regras e leis sobre concorrência. Por isso, trata-se de uma questão de compliance legal e, além de descumprir com uma política da empresa (portanto, a ética da organização), o colaborador também poderá incorrer em crime.

Portanto, seja no compliance legal ou auto imposto, a ética é sempre um balizador importante. Não existe compliance, sem que haja diretrizes éticas que sustentem as regras colocadas. Se elas não existirem, serão apenas barreiras para o desenvolvimento de pessoas e organizações e deverão ser combatidas e modificadas.

Por fim, um compliance adequado nas organizações previne que elas gastem muito dinheiro para remediar eventos que poderiam ser evitados a pouco custo. Em outras palavras: o que o compliance não previne, o caixa paga.

Autor: Marcelo Linguitte