Compliance e Poder – III

Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

Esta frase é atribuída ao ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln. Penso que esta afirmação deva estar fundamentada na própria experiência do ex-presidente, que na convivência com homens poderosos de diversos níveis do governo e da pungente economia americana, percebeu como eles podem ter suas convicções e princípios abalados ou até mesmo modificados pelo poder, particularmente quando algum interesse pessoal estivesse em jogo, e, especialmente, quando a própria posição de poder estivesse ameaçada.

Fazendo uma transposição desta realidade para o mundo corporativo, a caneta pode ser uma forma de manipulação muito comum nas organizações. Obviamente, estou utilizando a caneta de modo metafórico para representar a força daqueles que estão em posição de comando, que têm em suas mãos autonomia para avaliar, promover, negociar em nome de, conceder aumentos salariais, punir e, em casos extremos até demitir pessoas.

De forma alguma estou dizendo que a caneta não seja um instrumento necessário, cujo uso não deva ser frequente ou regular. Pelo contrário, ela está nas mãos dos líderes exatamente para que dela façam uso naqueles momentos cruciais, que demandem uma diretriz, uma decisão estratégica ou a assunção de determinados riscos. O ponto é que ela deve ser utilizada com parcimônia, transparência, equilíbrio, correção, imparcialidade, de forma ética e justa.

O problema é que a caneta exerce uma energia e magnetismo tão intensos que pode descaracterizar e deformar uma personalidade. No popular, quando isto acontece, dizemos que o poder lhe subiu à cabeça. Portanto, deve-se evitar a todo custo que este poderoso instrumento esteja em mãos erradas. Quando isto ocorre, o risco de produzir efeitos fortemente negativos em um indivíduo, numa equipe inteira e, eventualmente afetar toda a  organização é muito grande. A questão que precisa ser avaliada é exatamente a forma como a caneta é ou pode ser utilizada.

A utilização non compliance de uma posição de comando pode ser observada sob duas perspectivas opostas: na primeira, o uso acontece de forma aberta, direta e descarada. É o caso da exibição do poder quando se deseja que algo seja feito ou evitado, adotando-se o velho estilo do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”, ou ainda, pela intimidação direta a alguém que apresente uma posição diferente daquela do pretenso líder, que do conforto de sua posição de comando desqualifica publicamente aquele que ousou manifestar um pensamento alternativo.

Na perspectiva oposta, a caneta pode usada de forma sutil, dissimulada e enrustida. É o caso descrito no meu artigo anterior, quando uma pessoa em posição de liderança fazendo uso de suas prerrogativas e da ascendência que tem sobre níveis inferiores, nos bastidores e longe da clara luz do dia, manipula pessoas para executar seus planos e atingir seus objetivos.

Em ambos os casos, aquele ser complexo que está em posição de liderança, sabendo do poder que sua pena tem, a utiliza de forma non compliance prejudicando o clima organizacional, intimidando e inibindo o time, atuando de uma forma autoritária que, ao mesmo tempo que o coloca como o único capaz de entender a situação e apresentar o melhor caminho, reduz todo o time a um grupo de incapazes e incompetentes que estariam perdidos não fosse a sua brilhante atuação.

Nossas organizações precisam evitar este tipo de liderança!

 

autor: Jedaias Jorge Salum. Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.