CIDADES SUSTENTÁVEIS: Você sabia que o tema de sustentabilidade está avançando também nas cidades?

As referências iniciais a um desenvolvimento que pudesse respeitar os limites impostos pelo meio ambiente surgiram em 1972, durante a primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia. O termo utilizado foi ecodesenvolvimento. Em 1983, a ONU indicou a então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, para chefiar a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deveria aprofundar propostas para uma agenda global nesse tema. Quatro anos depois, em 1987, a comissão apresentou o documento Our Common Future, mais conhecido como Relatório Brundtland. O relatório examina as questões críticas relacionadas ao meio ambiente e a processos de desenvolvimento, apresentando propostas e ações necessárias para a implementação de práticas, nos níveis nacional e internacional, que pudessem contemporizar desenvolvimento e preservação ambiental. O relatório também propôs aquela que é a definição mais popularizada para desenvolvimento sustentável: “Sustainable development is development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs” (WCED, 1987, p. 41). O relatório reconhece a relevância das cidades como vetores importantes para a promoção do desenvolvimento sustentável e um dos capítulos foca especificamente sobre os desafios urbanos para a sustentabilidade (WCED, Parte II, Capítulo 9).

Essa visão do relatório tem todo o sentido, pois as externalidades produzidas pelas cidades, principalmente as pressões sobre os ecossistemas, fazem com que seja impossível avançar em um desenvolvimento sustentável, no nível global, se a questão da sustentabilidade não for incorporada pelas cidades, no nível local. As cidades, por exemplo, são as maiores consumidoras de energia, contribuem de forma significativa para o aquecimento global através das emissões veiculares e são o destino de recursos naturais extraídos para satisfazer as necessidades de seus habitantes. As cidades são, ademais, testemunhas de um processo de urbanização acelerado que, por um lado, gera oportunidades para milhões de pessoas e, por outro, faz com que os governos locais tenham que ampliar a provisão de serviços básicos, garantir uma qualidade de vida melhor, promover a geração de empregos, combater altos índices de pobreza, proteger o meio ambiente e lidar com os desafios relacionados com as mudanças climáticas. Isso, dentro de um quadro de fraqueza institucional e operacional e escassez de recursos para investimentos (MORENO, 2014). Nesse contexto, as cidades se desenvolvem, mas comprometendo de forma significativa a sua própria capacidade de oferecer, no futuro, os mesmos serviços e oportunidades que hoje oferecem a seus habitantes.

O mundo vivencia há décadas um enorme crescimento urbano, principalmente em países com desenvolvimento tardio – regiões de renda baixa e média, como Ásia, América Latina e África. É também nessas regiões que também se concentram a maioria das grandes cidades (cinco a dez milhões de habitantes) e das megacidades (acima de dez milhões de habitantes). A América Latina, por exemplo, é a segunda região mais urbanizada do planeta, passando de uma taxa de urbanização de 41%, em 1950, para 79% em 2010 (Nações Unidas, 2012) e, segundo relatório mais recente, de 2016, as cidades latino-americanas já alcançaram uma taxa média de 80% (Nações Unidas, 2016). Se essa tendência continuar, segundo a ONU, em vinte anos, 90% da população latino-americana será urbana. E isto trará graves implicações sobre a sustentabilidade planetária. Por isso, tratar do tema de sustentabilidade no âmbito urbano é fundamental. No entanto, a questão da sustentabilidade nas cidades tem sido abordada apenas a partir da perspectiva de alguns aspectos relevantes, mas relativamente limitados, como mudanças climáticas, arquitetura sustentável e tecnologias com menor impacto ambiental. Um aspecto que não tem tido a mesma relevância na discussão é a incorporação da sustentabilidade no planejamento urbano. Mas, sem esse aspecto, nenhum edifício “verde” irá tornar a cidade mais sustentável.

Felizmente, muitos conceitos, iniciativas e ferramentas de intervenção urbana sustentável têm sido criados de uns anos para cá. Os conceitos sobre cidades sustentáveis apresentam formas distintas de observar a cidade e diferentes compreensões sobre o que seria uma cidade sustentável, gerando diferentes metodologias de análise e diagnóstico, de priorização de aspectos relevantes, de criação de planos de ação e de indicadores que serão monitorados.

Jan Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês, afirma que uma cidade sustentável é, necessariamente, uma cidade compacta, “com empreendimentos agrupados em torno de transporte público, áreas para caminhar e andar de bicicleta” (Gehl, 2013), pensada para atender às necessidades das pessoas e para trazer a elas qualidade de vida. Segundo ele, uma cidade será sustentável se “o caminhar ou o pedalar forem etapas naturais do padrão de atividades diárias”. Outros autores, como Douglas Farr, dão ênfase a aspectos técnicos de edificações (como economia de energia e água) e à participação conjunta de atores públicos e privados na construção de uma agenda compartilhada rumo à sustentabilidade urbana. Farr afirma que a criação de uma cidade sustentável “exige que todos os muitos envolvidos no processo de planejamento e urbanização do ambiente construído trabalhem como um único organismo para atingir o propósito compartilhado” (Farr, 2013). Autores como Mostafavi e Doherty, por sua vez, defendem que o planejamento urbano deve ser baseado em conceitos da ecologia, promovendo uma integração da cidade ao meio ambiente, provocando o mínimo impacto sobre ele (Mostafavi e Doherty, 2015).

Além desses conceitos, diversas iniciativas têm sido apresentadas a gestores públicos como forma de facilitar uma intervenção urbana de caráter sustentável. Exemplos são os Urban Indicators Guidelines (ONU Habitat), The New Urban Agenda (ONU Habitat), o Programa CES – Cidades Emergentes e Sustentáveis (Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID), o Programa Cidades Sustentáveis, o IPS – Índice de Progresso Social e a recente norma ISO 37120, entre outras.

Um aspecto interessante das metodologias e referências é que elas utilizam indicadores para avaliar a sustentabilidade urbana, o que torna a incorporação desse tema mais técnico e objetivo na agenda e na gestão das cidades. Como dizia Deming: “Não se gerencia o que não se mede; não se mede o que não se define; não se define o que não se entende; não há sucesso no que não se gerencia”.

Além da escolha de referências adequadas, um aspecto que tem sido considerado relevante para o aprimoramento da sustentabilidade urbana é o envolvimento do cidadão no monitoramento das políticas públicas que contribuem para a sustentabilidade nas cidades. Algumas iniciativas têm como elemento estruturante a participação do cidadão no monitoramento e avaliação das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Como essas referências também possuem indicadores, o monitoramento cidadão tem condições de ser realizado com base em informações claras e objetivas, assim, o processo de monitoramento se torna mais “eficiente, imparcial e tecnicamente orientado, evitando que o debate na sociedade seja subjetivo e estabelecendo parâmetros de interação com o poder público que efetivamente contribuem para o avanço da sustentabilidade na cidade” (MORENO, 2014).

Há diferentes modelos de como os cidadãos se organizam para monitorar indicadores em sustentabilidade. Os exemplos brasileiros do Programa Cidades Sustentáveis e do Observatório Social do Brasil sugerem que o monitoramento pode ser feito de forma centralizada, através de uma única organização, utilizando metodologia padronizada. Já o Programa CES atua de maneira descentralizada, como rede de organizações e indivíduos, mas também através de uma metodologia padronizada.

Alguns autores, como Augusto de Franco, sustentam que os modelos sociais em rede são os mais eficientes. Ele defende que “tudo que é sustentável tem o padrão de rede” (FRANCO, 2008). Nessa mesma linha, a GTZ, agência de cooperação técnica do governo alemão, focada na promoção do desenvolvimento sustentável, afirma que “as redes são mecanismos poderosos para o compartilhamento de informações e de conhecimento, objetivando com isso a obtenção de um desenvolvimento sustentável” (EGGER, 2007). Segundo essa visão, as redes de monitoramento seriam as mais adequadas para promover o avanço da sustentabilidade no âmbito das cidades.

Um exemplo interessante desse tipo de ação cidadã no aprimoramento de políticas públicas é o caso da iniciativa “Contruyendo Nuestra Séptima”, iniciativa da organização “Bogotá Cómo Vamos”. Em 2017, o prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, anunciou que iria construir um sistema de transporte constituído por corredores de ônibus biarticulados, chamado de Transmilênio, através da Carrera Séptima. Como essa via é relevante para a mobilidade da cidade e também possui uma representatividade cultural e histórica para o cidadão, a Red Bogotá Cómo Vamos promoveu uma série de encontros envolvendo os mais diferentes setores da sociedade bogotana, para entregar ao poder público municipal sugestões para o desenho urbano da Transmilênio pela Carrera Séptima. A Bogotá Cómo Vamos realizou cinco oficinas, com mais de 200 participantes, gerando sete sugestões que buscaram aprimorar a implantação dessa etapa do sistema de transporte, tornando-o mais adequado às necessidades da cidade. As sugestões foram entregues ao prefeito, que se comprometeu a avalia-las e incorpora-las nos projetos finais do sistema.

Esse exemplo é particularmente relevante, pois aponta para um desafio em termos de sustentabilidade urbana: como as políticas públicas podem incorporar referências em cidades sustentáveis e contribuições advindas do monitoramento cidadão. Da maneira como estão colocadas hoje, as referências em sustentabilidade urbana são adotadas pelo poder público apenas de forma voluntária, uma vez que não há a obrigatoriedade, pelo Estatuto da Cidade, de que esses temas façam parte dos instrumentos de gestão pública municipal. E a mobilização cidadã no Brasil nem sempre é a mais adequada.

Do ponto de vista das empresas, o tema da sustentabilidade urbana também tem despertado grande interesse, pois identificam nesse conceito uma série de oportunidades: (i) cidades sustentáveis trazem menores custos de operação; (ii) novos produtos e serviços podem ser criados para a construção e operação desse tipo de cidades; (iii) ambientes urbanos sustentáveis têm maior atratividade e geram mercados mais dinâmicos, competitivos e inovadores; (iv) muitas empresas têm utilizado esse conceito para desenvolver projetos socioambientais eficientes nos municípios onde operam etc.

No entanto, o envolvimento com esse tema, por parte das empresas, deve ser feito com cautela, evitando riscos para seu negócio.

Em 1999, David Dunning e Justin Kruger, professores da Universidade Cornell, começaram a observar que os seres humanos têm um viés cognitivo comum que os leva a superestimar suas habilidades em muitos domínios sociais e intelectuais, produzindo conclusões equivocadas e falhas em processos decisórios. É o conhecido Efeito Dunning-Kruger. Isso se aplica a empresas também, que não devem pensar que sustentabilidade nas cidades é a mesma coisa que sustentabilidade nos negócios. As empresas, para serem eficientes na análise de novos produtos/serviços em sustentabilidade urbana, para desenvolver projetos junto às comunidades ou, ainda, para envolver-se em iniciativas de melhoria em políticas públicas, devem ter em mente que, como tudo na vida, deve-se buscar conhecimentos adequados. Não se deve superestimar nosso conhecimento e nossa capacidade em uma área nova, pois isso pode conduzir a erros graves.

 

Quer saber como sua empresa pode se envolver com o tema? A Griscom pode ajudar. Envie um e-mail para faleconosco@griscom.com.br ou ligue para (55 11) 3192-2605.

 

Autor: Marcelo Linguitte. Especialista em sustentabilidade empresarial, ética, responsabilidade social e empresas & direitos humanos. Mestrando em Gestão Urbana pela POLI-USP, pós-graduado em Responsabilidade Social pela FGV-SP, especialização em Ética pela COGEAE/PUC-SP e Engenheiro Civil pela POLI-USP. Tem atuado há mais de 25 anos com empresas e organizações não governamentais e multilaterais em mais de 20 países. Em 2002, foi convidado pelo US Department of State para participar do International Visitor Leadership Program. Estruturou a rede brasileira do Pacto Global da ONU e foi o seu primeiro ponto focal no país. Foi representante do Instituto Ethos na ISO 26000 e membro do conselho do ISE (BM&F  Bovespa). Foi um dos criadores dos Indicadores Ethos e dos “Critérios de investimentos socialmente responsáveis para Fundos de Pensão” (Ethos-Abrapp). Gerenciou projetos de sustentabilidade, inovação, gestão de stakeholders e ética em algumas das maiores empresas da América Latina, como Petrobras, Johnson & Johnson, Itaú-Unibanco, Whirpool, CPFL, Fiat Automóveis, Cementos Argos, Bancolombia e Embotelladora Andina. É também auditor líder de Asseguração de Relatórios de Sustentabilidade, de Avaliação e Monitoramento de Programas Socioambientais e da ISO 26000. Atua também como palestrante, no Brasil e exterior, tendo apresentando mais de 250 palestras, seminários, cursos e workshops nos últimos anos.

Participação na ACI´s 6th Brazil Summit on Anti-Corruption