Compliance e Poder – IV

A visão contaminada pela ideologia dominante talvez seja a maior barreira a ser vencida para o entendimento do que vou tratar neste artigo. Quando o lucro é estigmatizado e os investidores são tratados como os inimigos a serem vencidos, defender a tese de que os executivos devem trabalhar incansavelmente para maximizar os resultados para os acionistas, pode ser considerado, no mínimo, uma provocação ou, provavelmente, uma grande heresia. Neste momento não vou tratar da relação entre compliance e responsabilidade social, assunto para artigos futuros.  Agora, o ponto central de minha atenção se volta para a interface posse x gestão.

O poder máximo do negócio está nas mãos dos acionistas, daqueles que investiram recursos no empreendimento, a última e definitiva instância de poder está com os proprietários, com os donos do negócio. Um poder subordinado é outorgado aos executivos contratados pelos acionistas para operar o negócio, atingir metas e produzir resultados. Por razões didáticas e para tornar o que pode ser bem mais complexo simples, nesta configuração de poder temos apenas uma interface, a que está entre a propriedade e a gestão, entre os acionistas e a diretoria executiva, entre os donos e os que tocam o negócio. Aparentemente não há motivos de preocupação. Os acionistas fazem o que sabem fazer, investem. Os executivos fazem aquilo para o que foram contratados, operam o negócio.

A questão é que esta relação precisa ser regida por um conjunto de definições e regras que chamamos de contrato, e não há contrato perfeito. Por maior que seja a dedicação e inteligência colocadas na sua preparação e redação final, este documento nunca será capaz de prever todas as eventualidades, variações, acidentes de percurso, entre outras possibilidades. Por outro lado, além do contrato ser um instrumento imperfeito, os atores envolvidos, tanto acionistas quanto executivos, são também agentes imperfeitos, o que torna os conflitos de interesses entre estas partes, algo muito desafiador.

Façamos agora um singelo exercício de imaginação e incluamos neste bolo uma dose destes conflitos. Suponha que os executivos estejam diante de uma decisão que afete de maneira inversa a rentabilidade do negócio para os acionistas e a sua própria remuneração no ano. Suponha ainda, que esta decisão não será submetida à aprovação dos acionistas e que a própria diretoria tem autonomia para tomá-la. Suponha que não haja nenhuma previsão contratual explícita que norteie esta decisão e que ela esteja em linha com toda a legislação aplicável. Finalmente, admita que não haja nada frontalmente antiético ou imoral na decisão em si.

Será que pelo simples fato de impactar simultânea e inversamente os resultados do negócio e a remuneração dos executivos, tomar tal decisão implicaria numa conduta non compliance? Aparentemente, não! No entanto, não creio que esta seja uma resposta completa e muito menos satisfatória. Neste tema não podemos ficar na superfície, precisamos mergulhar e explorar águas mais profundas.

Num conflito de interesses desta natureza, a boa consciência deveria induzir os executivos a tomar a melhor decisão para os acionistas. Eles foram contratados para gerir o negócio e atingir as metas e os resultados desejados pelos acionistas e a decisão deles não deveria ser influenciada pelos eventuais impactos em sua própria remuneração. Em outras palavras, os executivos deveriam trabalhar sempre pela maximização de resultados para os acionistas. Mesmo que não esteja explícito naquele contrato imperfeito, isto está implícito nesta relação. Os acionistas esperam os melhores resultados e os executivos são contratados para entregar nada menos do que estes resultados.

Se, por um instante, dedicarmos alguma energia para justificar nossa inclinação de tomar uma decisão que nos favoreça e prejudique os proprietários, estaremos incorrendo numa racionalização non compliance.

 

Autor: Jedaias Jorge Salum.