Pilares do Compliance – II

Tendo tratado rapidamente no artigo anterior a razão (por que) e os benefícios (para que) da implantação de um sistema de gestão para a função de compliance, neste, tenho por objetivo apresentar, de forma ainda introdutória, os três pilares que considero fundamentais para suportar este sistema.

O conceito universal de que furtar é um ato vil e reprovável não tem a mesma força em diferentes situações. Por exemplo, o furto do lápis de um coleguinha é tratado pela sociedade de maneira mais leve (provavelmente, na maioria dos casos nem chega a ser tratado) do que se o objeto fosse um iPhone.  A regra dominante é que quanto maior o valor do bem, mais sofisticados os sistemas utilizados para assegurar a sua integridade e maiores as penalidades nos casos de desvio. Neste exemplo, o lápis fica descuidadamente sobre a mesa não sendo motivo de preocupação. Já, o iPhone, é colocado no bolso ou dentro da mochila e fica sempre ao alcance dos olhos. Eliminada a variável “valor”, tanto um quanto outro seriam tratados da mesma forma e com a mesma energia. E ainda, no caso de furto tanto de um quanto de outro, as medidas disciplinares também seriam iguais, considerando tratar-se exatamente do mesmo desvio de conduta.

Desta simples e corriqueira ilustração, quero destacar algumas implicações que podem ser utilizadas para nortear a construção de um sistema para a gestão do compliance. Primeiramente, a importância dos valores e princípios. Se todos os coleguinhas tivessem o mesmo nível de entendimento e consciência de que o que é do outro tem que ser respeitado e não pode ser tocado, e agissem sempre de acordo com este princípio, não importaria o que estivesse sobre a mesa, se um simples lápis ou se um caro iPhone, ambos estariam igualmente seguros. Isso me sugere o primeiro e mais importante pilar do sistema, o da prevenção. Prevenir é chegar antes, antecipar possibilidades e preparar de antemão proteções adequadas. Além da educação e conscientização, neste pilar vamos ver também a identificação de gaps ou portas abertas para possíveis desvios, estabelecimento de limites e regras claras para o jogo, comunicação e comprometimento, entre outros elementos essenciais para uma efetiva prevenção.

Se não houvesse desconfiança quanto aos princípios, valores e atitudes dos coleguinhas de classe, não haveria necessidade de cuidados adicionais de proteção e vigilância. Isto me remete ao segundo pilar que vamos considerar, o da detecção. Se todos, sem exceção, respeitassem a propriedade alheia, não haveria necessidade de alarmes, sensores de movimento, cães adestrados, câmeras de vigilância e outros dispositivos. Como destaquei no artigo anterior, o homem é falho e precisa de instrumentos para ajudá-lo a evitar desvios. Um eficiente sistema de detecção é um ótimo inibidor de desvios. Neste pilar vamos encontrar elementos como canais de comunicação e denúncia, auditorias, monitoramento, controles e fiscalizações.

Finalmente, é preciso definir o tratamento a ser dado em casos de desvios e, aqui está o terceiro e último pilar que vou considerar, o da correção. Impunidade e falta de medidas disciplinares são grandes motivadores para reincidência, e pior, para que outros sigam os maus exemplos, uma vez que eles aparentemente prosperam nos seus comportamentos desonestos.

Concluindo, ressalto dois pontos importantes: de um lado, atitudes non compliance evoluem dos pequenos desvios até se transformarem em grandes esquemas de corrupção; de outro, o exemplo vindo de cima é replicado em todos os níveis da organização. Portanto, independentemente da dimensão, possibilidades de desvios precisam ser consideradas e apropriadamente contempladas neste sistema de gestão.

Vamos, então, na próxima série, pensar sobre alguns elementos que constituem o pilar da prevenção. Até lá!

 

 

Autor: Jedaias Jorge Salum – Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.