A Sustentabilidade está na cultura da sua organização?

Recentemente, estive reunido com lideranças empresariais para discutir desafios e tendências em sustentabilidade. Vários temas foram discutidos, mas um, em especial, mereceu atenção maior.

Muitas empresas comentavam que haviam feito esforços gigantescos para incorporar a sustentabilidade nas estratégias e processos da organização, mas sem os resultados esperados. Pior: algumas lideranças até disseram que suas empresas haviam regredido a patamares inferiores de desempenho sustentável.

Tentamos explorar as razões disso e logo surgiram várias “justificativas”, como a falta de engajamento dos níveis mais altos da organização, sustentabilidade aumentava custos, a empresa não via como o tema poderia gerar e proteger valor etc. As soluções adotadas, e que não deram certo, também apareceram, como treinamentos sem resultado, alterações ineficientes de processos e ações de engajamento com lideranças que não engajaram ninguém.

Foi interessante perceber que as soluções tentadas eram mais do mesmo, sendo repetidas inúmeras vezes, com consultores, ferramentas e dinâmicas um pouco diferentes, mas sempre sem resultado. Poucos foram aqueles que tentaram caminhos alternativos e, como sabemos, se o que estamos fazendo não está funcionando, devemos tentar algo diferente.

Tenho compreendido que padrões repetitivos nas organizações significam que os problemas fundamentais não estão sendo realmente tratados, pois se busca tratar de sintomas e não das causas do problema.

 

Fortalecem-se processos de comunicação, treinamentos e processos, quando o problema realmente não está ligado a esses aspectos.

 

Há uma questão de fundo nesses problemas e que se situa na forma como as empresas conseguem identificar a causa-raiz de não se avançar em sustentabilidade. O problema é, como gosto de dizer, uma cultura tóxica que enviesa a forma de se ver a realidade, impedindo uma leitura adequada do contexto e que, por fim, produz efeitos nocivos para a organização.

O engenheiro e matemático polonês Alfred Korzybski indicava, já em sua obra Science and Sanity, de 1933, que nós experimentamos o mundo através dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) e do território. Assim, nós pegamos um determinado fenômeno externo e, através de nossos filtros pessoais (valores, crenças, memórias, decisões passadas, experiências etc.), fazemos uma representação interna desse fenômeno e montamos um mapa de como devemos agir. Ou seja, esse sistema de entendimento da realidade tende a modificar a maneira pela qual nós lidamos com o mundo. Para evitar essa deturpação do entendimento sobre a realidade, Korzybski sugere que tenhamos a capacidade de superar nossos próprios desvios de avaliação dos fenômenos ou, como ele chamou, que tenhamos uma consciência da abstração.

O que temos visto em nosso trabalho de consultoria estratégica é que as equipes das empresas têm uma enorme dificuldade de ter consciência de abstração, deixando-se levar por modelos mentais enraizados, que muitas vezes, no passado, permitiram o sucesso da empresa, mas que hoje impedem o avanço a patamares mais elevados em termos de sustentabilidade.

Tive uma experiência interessante e que exemplifica o que entendo por cultura tóxica que impede que as empresas apreendam a realidade na sua justeza e inteireza.

Foi assim: uma grande empresa latino-americana abriu um processo para seleção de uma consultoria que seria contratada para desenvolver suas estratégias em sustentabilidade. Iríamos mapear sua cadeia de valor, entrevistar públicos de interesse, identificar temas materiais, avaliar riscos e oportunidades, estabelecer prioridades e montar estratégias e políticas.

Como era uma concorrência, várias consultorias foram chamadas. Mandamos a proposta e, depois de algum tempo, essa empresa encaminha um email a todos dizendo que tinha avaliado cada uma das propostas recebidas, compreendido as etapas e atividades sugeridas pelas consultorias e que havia feito um “arrazoado” de tudo o que leu, terminando por definir que ela mesma, internamente, iria desenvolver as tais estratégias.

Como o email estava com cópia aberta a todas as consultorias, vi chegando várias respostas duras das consultorias com relação a essa decisão da empresa.

Como tenho trabalhado bastante com visão sistêmico-dinâmica, além do aspecto ético da história, uma coisa me chamou bastante a atenção: a quebra do equilíbrio entre dar e receber, algo essencial para o funcionamento saudável de qualquer sistema humano, segundo Bert Hellinger, criador do método de constelação sistêmica, que tem sido aplicado com sucesso em muitas organizações.

 

Um sistema é um conjunto de elementos que possuem certo relacionamento entre si, que possuem interdependência.

 

O sistema de uma empresa possui uma série de elementos, como suas equipes, as lideranças, os fundadores, os sócios, os fornecedores, as comunidades de entorno, os fornecedores, os clientes etc. Aliás, a própria empresa, em si mesma, é um sistema.

Segundo essa perspectiva, existe uma ordem natural do dar e receber entre os elementos do sistema e, essa ordem deve estar equilibrada. Ou seja, o que um elemento dá deve ser equivalente ao que ele recebe. Quando existe uma diferença entre dar e receber, surgem problemas no sistema, patologias que produzem danos a esse sistema e que impedem os seus componentes de terem uma visão equilibrada e imparcial da realidade.

A percepção de que comportamentos assim trazem ganhos no curto prazo se perde quando se avaliam os danos gerados no médio e longo prazos, pois essa patologia cultural termina se voltando contra a própria organização.

E um dos principais problemas é a incapacidade de observar o ambiente de negócios e o ambiente interno e identificar quais seriam os FCS – Fatores Críticos em Sustentabilidade necessários para que a empresa avance no tema. Perceba que fazemos uma adaptação do tradicional Fator Crítico de Sucesso.

Como essa característica de desequilíbrio da cultura também aparece na relação com outros públicos, como colaboradores, clientes, fornecedores etc., há uma corrosão gradual na qualidade desses relacionamentos, e na possibilidade de a empresa obter inputs relevantes para aprimoramento de susas estratégicas, o que mina o valor de uma empresa, existindo o risco de que, se nada for feito, a organização poderá sofrer prejuízos em sua capacidade futura de operar de forma eficiente e próspera no mercado.

Em si mesmo, esse tipo de organização não tem capacidade de manter, no longo prazo, projetos de mudança, como aqueles relacionados à sustentabilidade, pois não são organizações com culturas saudáveis. Portanto, não se espere que elas possam ter sucesso nesse tema.

Caso elas se arrisquem em implantar práticas sustentáveis, existindo esse grau de desequilíbrio cultural, irá ocorrer o que se dá com vasos comunicantes nos quais se quer aplicar um desnível artificial: ela terá que fazer uma pressão enorme, gastar muita energia, para manter um equilíbrio – que não é autêntico – e fazer os projetos andarem.

Como os sistemas vivos e dinâmicos – que é o caso de uma empresa – trabalham sempre e permanentemente para voltar a estados de equilíbrio (esta tendência se chama homeostase), o próprio sistema irá gerar situações com o intuito de compensar os desequilíbrios que ele mesmo criou.

Assim, perdas financeiras (ou econômicas) provenientes de diferentes áreas da organização começam a aparecer. Esse comportamento destrutivo ou, melhor, compensatório das equipes da organização não é consciente: ele é apenas uma resposta do sistema para eliminar o desequilíbrio existente.

De qualquer forma, a energia (leia-se “recursos”) que a empresa gasta é tremenda e poderia ser aproveitada de forma mais inteligente caso esses desequilíbrios culturais fossem resolvidos em sua causa-raiz ou, em outras palavras, através da identificação dos Fatores Críticos em Sustentabilidade.

 

Mas, o que são Fatores Críticos em Sustentabilidade e como identifica-los através da consciência da abstração?

Um FCS é uma condição necessária e suficiente em seu conjunto para neutralizar as questões levantadas durante a fase de diagnóstico em sustentabilidade e fortalecer os aspectos positivos de sua gestão, permitindo ganhos superiores.

Exemplo: trabalhamos com uma fabricante de refrigerantes cuja distribuição conta com 1.500 pessoas, entre motoristas e carregadores. Para essa atividade, a engarrafadora contrata doze empresas para a distribuição na sua região de influência. As condições de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores terceirizados incluíam longas jornadas de trabalho, em especial em épocas de alta estação, pressão elevada por cumprimento de metas e remunerações restritivas.

O FCS que desenvolvemos em conjunto com a engarrafadora para esse caso foi que ela iria assegurar a qualidade de vida desses trabalhadores terceirizados, com prioridade para distribuição e pátio, desenvolvendo padrões mínimos a serem cumpridos pelas empresas contratadas para resguardar as condições de trabalho de seus empregados (jornada, higiene, SSO etc.) e através da capacitação das empresas contratadas e de seus empregados em termos de SSO. Essa foi uma caracterização geral do FCS, que tinha um plano de ação detalhado abaixo dele.

A identificação do FCS foi apenas possível porque a empresa, adotou uma consciência da abstração e superou a forma tradicional de avaliar o contexto, sempre baseado no menor custo possível para ela, e materializada na forma ganha-perde e na maneira disfuncional com que ela sempre viu as relações comerciais com seus fornecedores.

Ela percebeu que, ainda que tivesse que investir um pouco mais para desenvolver seus fornecedores de logística, seria mais lucrativo, no médio prazo, do que manter uma cultura tóxica que, aos poucos, iria dilapidando o valor da empresa.

Assim, se você está percebendo que na sua organização aumentam os casos de transgressões ao código de ética, diminui a qualidade de produtos/serviços, aumenta o número de fraudes, fornecedores importantes decidem não mais fazer negócios com a empresa e a organização tem perdido vários de seus bons talentos, é hora de identificar quais são os FCS que devem ser elaborados e implantados em sua empresa. Quem sabe sua organização não está precisando reciclar os aspectos tóxicos que ela possui?

É isso. Abraços a todos.

 

 

Autor: Marcelo Linguitte. Especialista em sustentabilidade empresarial, ética, responsabilidade social e empresas & direitos humanos. Mestrando em Gestão Urbana pela POLI-USP, pós-graduado em Responsabilidade Social pela FGV-SP, especialização em Ética pela COGEAE/PUC-SP e Engenheiro Civil pela POLI-USP. Tem atuado há mais de 25 anos com empresas e organizações não governamentais e multilaterais em mais de 20 países. Em 2002, foi convidado pelo US Department of State para participar do International Visitor Leadership Program. Estruturou a rede brasileira do Pacto Global da ONU e foi o seu primeiro ponto focal no país. Foi representante do Instituto Ethos na ISO 26000 e membro do conselho do ISE (BM&F  Bovespa). Foi um dos criadores dos Indicadores Ethos e dos “Critérios de investimentos socialmente responsáveis para Fundos de Pensão” (Ethos-Abrapp). Gerenciou projetos de sustentabilidade, inovação, gestão de stakeholders e ética em algumas das maiores empresas da América Latina, como Petrobras, Johnson & Johnson, Itaú-Unibanco, Whirpool, CPFL, Fiat Automóveis, Cementos Argos, Bancolombia e Embotelladora Andina. É também auditor líder de Asseguração de Relatórios de Sustentabilidade, de Avaliação e Monitoramento de Programas Socioambientais e da ISO 26000. Atua também como palestrante, no Brasil e exterior, tendo apresentando mais de 250 palestras, seminários, cursos e workshops nos últimos anos.

Participação na ACI´s 6th Brazil Summit on Anti-Corruption