Compliance – PREVENÇÃO II

Tenho o hábito de jogar Sudoku, não apenas pelo efeito fisioterápico que exerce sobre os neurônios e sinapses, mas também para relaxar e abrir a mente para novas possibilidades quando me sinto empacado diante de alguma complexidade. Outra coisa que faço com bastante frequência é viajar em meus pensamentos enquanto corro. Nestes dois simples exemplos, dois resultados me aconteceram naturalmente: tenho reduzido sistematicamente o tempo necessário para resolver o Sudoku e me cansado cada vez menos para fazer o mesmo percurso na orla da lagoa da Pampulha! Estes resultados resumem, de certa forma, o que se espera de treinamento e capacitação: maior eficiência, menores custos, portanto melhores resultados! Treinamento é mais um elemento essencial para a construção do pilar da prevenção na gestão da função de compliance.

Treinamentos podem ser ministrados com diferentes objetivos. Há aqueles do tipo “how to”, cujo objetivo é capacitar pessoas a realizar determinadas operações ou atividades da forma mais segura e eficiente possível, sendo, talvez, a modalidade de treinamento mais frequente na maioria das organizações. Estes treinamentos são fundamentais para o atingimento e consolidação dos resultados desejados. Outro foco dos treinamentos pode ser a formação e qualificação técnica e científica com o objetivo de fornecer o conhecimento necessário à pesquisa ou ao desenvolvimento de novos produtos, projetos e processos. Há ainda, do ponto de vista filosófico, treinamentos bem mais ambiciosos que objetivam a transcendência e criatividade, o famoso “pensar fora da caixa”, modalidade muito apropriada para estimular novas soluções, por exemplo, em momentos de reestruturação organizacional.

No caso especifico do compliance, sugiro que os treinamentos tenham pelo menos três grandes objetivos: Desenvolver a humildade. Muitos desvios de conduta acontecem por falta desta protetora virtude chamada humildade. Diante de uma situação de dúvida ou insegurança, é esta virtude que nos faz buscar orientação, trocar ideia com os colegas ou buscar aconselhamento. Além disto, é exatamente o reconhecimento de nossas fragilidades que nos faz elevar os muros de proteção contra a corrupção e desvios de conduta. Portanto, não estou tratando aqui de simploriedade, simplicidade, nem mesmo de uma aparência de humildade. Estou falando do desenvolvimento do autoconhecimento e de uma atitude proativa na busca da ética e de uma conduta irrepreensível.

Desenvolver a sensibilidade. Por sensibilidade quero me referir à capacidade de perceber sinais, detalhes e sentir as pequenas coisas. A anestesia produz insensibilidade na mesma proporção em que pequenos desvios abrem caminho para os grandes esquemas de corrupção. Não é estarrecedor que pessoas em posição de poder se tornem tão desenvoltas na produção dos maiores horrores? Como elas atingiram este nível de dormência da consciência? Não tenho dúvidas de que uma das causas é que foram perdendo a sensibilidade na medida em que progrediam dos pequenos desvios iniciais e suas consciências foram se cauterizando paulatinamente até atingir este último estágio. Portanto, nunca é demais estimular as consciências com treinamentos que revitalizem os sensores e os tornem capazes de detectar e evitar desvios, por menores que sejam.

Desenvolver a perspicácia. Esta habilidade complementa a sensibilidade com análise, interpretação e rápida compreensão de situações suspeitas, mesmo através de simples indícios ou pequenas pistas disponíveis. Em outras palavras, a sensibilidade percebe que algo está fora do lugar. A perspicácia diz com maior clareza o que está fora do lugar.

Uma vez estimuladas e desenvolvidas estas habilidades fundamentais, as pessoas precisam de encorajamento para tomar iniciativas efetivas quando perceberem que algo está caminhando fora dos trilhos. A isto, vou chamar de empowerment, assunto do próximo artigo. Até lá!

 

 

Autor: Jedaias Jorge Salum – Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.