Compliance: Prevenção – Parte IV

Se do ponto de vista do planejamento estratégico qualquer caminho serve para quem não sabe aonde quer chegar, na gestão da função de compliance, sem o conhecimento das fragilidades, gaps ou portas abertas a desvios de conduta existentes na organização, nenhum controle será efetivo. Em outras palavras, se não sabemos o que e como monitorar e controlar, qualquer acompanhamento ou controle serve. Portanto, este autoconhecimento organizacional é mais um elemento fundamental do pilar da prevenção, e precisa ser desenvolvido com a devida profundidade. Sem isto, mesmo que se tenha sensação de segurança, ela não será nada além de uma mera ilusão. Neste caso, quando estas fragilidades se manifestarem e forem eventualmente conhecidas, poderá ser tarde e os prejuízos já terão acontecido.

Proponho que este elemento seja desdobrado nas seguintes etapas: identificação, tanto quanto possível, de todas as janelas, portas, gaps ou fragilidades dos principais processos; classificação destas portas considerando a probabilidade de ocorrência e seus potenciais impactos; criação de mecanismos para eliminação ou mitigação destas possibilidades de desvios e, finalmente, a definição de um programa de acompanhamento sistemático e monitoramento destas fragilidades.

Para a identificação das fragilidades, nada com um bom exercício de criatividade! Será preciso um trabalho de equipe, composta por mentes brilhantes, pessoas que sejam capazes de se colocar no lugar de hipotéticos malfeitores, que consigam pensar como eles provavelmente pensariam, simular situações e oportunidades de desvios e, finalmente, nesta simulação testar ao limite os sistemas e instrumentos de controle existentes. Ao realizar um trabalho destes, este grupo de experts poderá se surpreender com o número de fragilidades encontradas na organização. É bem possível que descubram que a empresa na qual trabalham há tanto tempo, não esteja devidamente preparada para lidar com aquela criatividade e jeitinho brasileiros, particularmente quando direcionados para o mal. Ao longo desta etapa, cada ponto de fragilidade encontrado deve ser descrito de forma clara, direta e objetiva, de preferência já com uma estimativa dos valores que poderiam ser desviados, até que alguém, finalmente, percebesse que algo de errado estivesse acontecendo.

Uma vez mapeados estes gaps, é preciso classificá-los dos riscos mais altos para os mais baixos. Isto deve ser feito segundo critérios técnicos consistentes e previamente definidos, por exemplo, com o cruzamento de referências razoáveis entre a probabilidade de ocorrência e os possíveis impactos no caso de materialização dos respectivos eventos de riscos. É debruçada sobre este conhecimento que a alta direção definirá a estratégia de atuação, investimentos a serem feitos, o caminho a ser trilhado, em suma, a gestão deste processo.

No tocante às medidas mitigadoras, como já destaquei anteriormente, há sempre uma relação de custo-benefício. Quando lancei o desafio da construção de uma contracultura que estabelecesse uma “lei de Gerson” ao avesso, sugeri que quanto maior o nível de conscientização e comprometimento de todos com a ética, com os valores e princípios da organização, tanto menores seriam os investimentos necessários para garantir o comportamento compliance. Pode ser que o investimento necessário para assegurar a impossibilidade de ocorrência de determinados desvios de conduta seja tão alto, que seria mais razoável assumir tais riscos e apenas monitorá-los mais de perto.

Finalmente, a última etapa deste elemento da prevenção é o estabelecimento de um plano para o acompanhamento e monitoramento do mapa de riscos. A medição de indicadores cuidadosamente escolhidos dará os sinais de alerta necessários para uma pronta intervenção, além de prover valiosos subsídios para a melhoria contínua deste importantíssimo processo.

 

 

Autor: Jedaias Jorge Salum – Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.