Compliance: Prevenção – V

Escrever o manual de compliance é uma das etapas da construção do sistema de gestão desta função. O maior cuidado a se tomar na elaboração deste documento é que ele seja o mais prático e efetivo possível, deixando o campo teórico e filosófico, por vezes até literário e artístico, para integrar de fato o cotidiano de todos os níveis da organização. Este manual, portanto, deve ser elaborado com o objetivo de nortear e regular o compliance, não se tornando apenas uma peça de ficção.

O manual de compliance não pode prescindir de alguns documentos básicos. A elaboração de documentos norteadores e reguladores deve ser tratada com a devida atenção e cuidado, uma vez que sendo bem escritos, disseminados e utilizados, estes documentos sedimentarão conceitos, valores e princípios e definirão a alma, o caráter e o próprio modo de ser da organização. Serão poderosos instrumentos de prevenção de desvios de conduta.  No grupo dos documentos norteadores estão, por exemplo, as políticas e o código de conduta ética. No grupo dos documentos reguladores, estão procedimentos, regras, definição de alçadas e termos de compromisso.

Embora eu tenha dado ênfase na importância fundamental de boas consciências, treinadas e aguçadas para perceber e evitar desvios éticos, os sistemas de gestão e controle, por mais enxutos que sejam, são necessários e precisam ser elaborados de forma inteligente, bem implantados e administrados. A base fundamental sobre a qual estes sistemas devem ser construídos é a coerência. De nada adianta escrever regras se elas não forem cumpridas, princípios e valores diferentes daqueles que se creem de fato, um belo código de conduta que não guarde relação entre o seu conteúdo e a atitude das pessoas. Sem coerência, o mais belo sistema não terá legitimidade, não passará de uma formalidade decorativa, será desprezado e até mesmo ridicularizado por todos.

A política de compliance ou de integridade é o primeiro documento norteador da organização. Antes de tudo é preciso eliminar uma dificuldade existente na definição e significado do termo política, que no nosso português contempla diferentes sentidos e aplicações, sendo por vezes utilizado de forma muito vaga. Mesmo que não seja uma unanimidade, neste contexto, defino “política” como um conjunto de proposições abrangentes que serve de guia para o pensamento e a ação. Desta forma, é a política que orienta e indica o sentido a ser seguido no longo prazo, sendo um tratado duradouro, quase permanente.

No tocante à integridade, a política de compliance dará o tom e sinalizará como a organização quer ser percebida e reconhecida pelos seus stakeholders, se admirada pela sua ética e conduta irrepreensíveis, ou vista como uma organização suspeita que ainda careça de um monitoramento próximo. Portanto, esta política deve ser frequentemente relembrada até que fique profundamente impregnada na mente de cada um, e, assim, cumpra o seu papel de sinalizar a direção mais correta e apropriada, mesmo naquelas situações não previstas no sistema de gestão.

Se a política indica sentido e direção, o código de conduta ética é outro importantíssimo norteador, expressando o que deve ser feito para avançar naquele sentido e direção. Na sua elaboração, não há que se preocupar em abordar todas as possibilidades, o que deverá ser considerado nos demais documentos reguladores. Este código pode ser escrito de maneira afirmativa ou positiva com ênfase na conduta desejada e esperada, de forma restritiva ou negativa indicando condutas a serem evitadas, ou ainda considerando estas duas abordagens em paralelo.

Muito mais relevante que a forma é o conteúdo destes dois documentos norteadores, que devem apontar de maneira clara o próprio caráter da organização. Este conteúdo devidamente compreendido e absorvido por todos, atuará de maneira efetiva na prevenção do non compliance!

 

 

Autor: Jedaias Jorge Salum – Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.