Compliance – Detecção – Parte II

Quem viaja de avião com certa frequência logo se habitua aos procedimentos de segurança para embarque, nos quais, em diversas ocasiões, fui sorteado para um special screening. O agente de segurança gentilmente me convida a um espaço reservado para uma inspeção mais meticulosa. Além de contornar todo o meu corpo com um detector portátil, faz a mesma coisa com a bagagem de mão, usando um instrumento para captação de traços de qualquer coisa: de drogas a explosivos. O curioso é que este procedimento especial é realizado mesmo depois de ter passado pelos equipamentos de inspeção, pelos quais todos os passageiros passam, o que me leva a pelo menos duas possibilidades: ou o raio X da bagagem acusou algo suspeito que precisa ser verificado ou alguém, com um olhar observador e atento, por algum motivo me escolheu para esta inspeção especial.

Nesta corriqueira situação, ficam bem evidentes duas formas de detecção:

  • a primeira, feita por equipamentos e computadores programados e parametrizados para identificar determinados padrões e acusar automática e imediatamente quando estes forem encontrados;
  • a segunda, feita por pessoas, que além de critérios objetivos, contam ainda com uma capacidade que somente o ser humano possui, a perspicácia e intuição, atributos que permitem enxergar algo mais. São formas complementares de detecção. Uma não substitui a outra e ambas são necessárias.

 

Terminei meu artigo anterior dizendo que as pessoas são o mais importante elemento de detecção disponível em toda e qualquer organização, não apenas pela capacidade impar de observação, mas pela sua inevitável presença.

 

Por mais que computadores, robôs e máquinas substituam o homem em diversas atividades, não há empreendimento sem pessoas. Elas estão em toda parte, em todos os processos e, portanto, precisam ser aproveitadas na sua máxima potencialidade.

 

Quando responsabilidades e atribuições são compartimentadas em blocos estanques, cada um cuidando do seu quadrado, organizações perdem sinergia, eficiência, segurança e uma série de outros benefícios.

Juntamente com o empowerment as organizações precisam promover o engagement.

Se aquele encoraja a participação das pessoas, este exige delas tal participação. O ponto é que o principal elemento de detecção, abundantemente disponível, deve ser utilizado na sua plenitude e não limitado a pequenas ilhas dentro das organizações. A auditoria, por exemplo, não deve ser propriedade exclusiva de um departamento. Em outras palavras, cada empregado deve atuar como uma espécie de auditor, dando sua valiosa contribuição sempre que qualquer situação lhe pareça suspeita.

Cada pessoa da organização tem o dever de cuidar primeiramente de si mesma, observando se o seu próprio comportamento está plenamente alinhado à ética, valores e princípios da organização e, tendo sido aprovada nesta autoavaliação deve, então, dirigir seu olhar aos que estão ao seu redor, ajudando, estimulando, encorajando a boa conduta, alertando para os riscos de possíveis desvios, apontando a necessidade de auditorias específicas e, finalmente, em casos extremos, até encaminhando denúncias pelos canais competentes à sua disposição.

Considerando a triste posição do Brasil no ranking mundial de corrupção, conforme último levantamento de percepção da Transparency International,   nada mais desejável que pessoas “empoderadas” e devidamente engajadas, para transformar limitados departamentos como os de controladoria e de auditoria, em um mecanismo de detecção robusto, poderoso e orgânico – a exemplo dos macrófagos e linfócitos – infiltrado em toda a organização, virtualmente onipresente, capaz de identificar ameaças e situações de risco, desvios de conduta e até mesmo pequenos movimentos suspeitos, promovendo a saúde ética da organização, um ambiente cada vez mais maduro, seguro, integro e prazeroso para se trabalhar.

 

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Autor: Jedaias Jorge Salum – Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.