Compliance e Poder – I

O poder corrompe, diz um dito popular. Se isto pode ser tomado como um alerta, faz todo sentido o que pretendo escrever sobre este delicado tema, uma vez que toda e qualquer organização precisa de uma estrutura de comando e decisão, de um esqueleto e musculatura, sem o que não permaneceria de pé. Algumas têm estrutura complexa e pesada, outras são mais leves. Umas são rígidas e engessadas, outras ágeis e dinâmicas. Entre estes extremos, há um farto cardápio de combinações para todos os gostos. Há algo comum a todas estas possíveis alternativas, que vou chamar de exercício do poder. O poder sempre estará presente, cumprindo o seu papel nos momentos críticos e decisivos.

Outra característica comum a todas as organizações, é que para este exercício sempre haverá um ator humano, com as suas competências, habilidades, conhecimento, sensibilidade e virtudes, mas também com suas fragilidades e limitações.  Este ator exercerá o poder sobre outras pessoas, igualmente complexas, com seus pontos fortes, fracos e ainda por cima, com suas distintas características emocionais e diferenças de personalidade. Apenas com este pano de fundo, podemos começar a imaginar o tamanho do imbróglio, quantas portas abertas, quantas oportunidades ou possibilidades para situações non compliance poderemos encontrar no dia a dia das organizações.

O exercício do poder, além de necessário é também inevitável e sempre acontecerá de um jeito ou de outro. Quando digo que o poder será exercido de um jeito ou de outro, o que tenho em mente é que esta forma pode ser compliance ou non compliance. É exatamente sobre as formas como o poder pode ser exercido que quero pensar. Há inúmeras situações que me vêm à mente, mas vou me restringir a algumas poucas, e talvez as mais comumente vivenciadas nas empresas.

Antes de entrar neste intrincado território, já adianto que não é meu objetivo fazer juízo de valor sobre os diversos e diferentes modelos de processo decisório. Cada instituição ou organização é livre para estabelecer sua própria cultura e adotar o modelo que pareça mais adequado à sua identidade, visão e missão.

Por exemplo, numa organização militar, o processo decisório é fortemente centralizador, o poder é claramente demarcado de acordo com os diferentes níveis da corporação e as regras deste processo são rígidas e inflexíveis. O poder é vertical e concentrado naqueles que estão em posição de comando, cada qual no seu nível hierárquico. Independentemente do nome que possamos cravar sobre este modelo, se gostamos ou não dele, não há nada de non compliance nele.  É apenas um modelo e não vamos discutir o modelo em si.

Nesta nova série de artigos, quero concentrar a atenção sobre a forma de atuação dos atores que estão em posição de liderança e revestidos de poder, como eles desempenham o seu papel na organização, na obtenção de resultados ou no atingimento de suas próprias aspirações pessoais. Como estão lidando com níveis superiores e inferiores na consecução de suas atribuições e responsabilidades. Como estão interagindo com seus pares e de que forma estão exercendo influência sobre pessoas.

Finalizo esta rápida introdução relembrando dois pontos extremamente relevantes: primeiro, que a conduta do líder sempre será um farol nas organizações, o seu exemplo falará alto, muito mais alto do que códigos de conduta, programas e políticas formalmente estabelecidas; segundo, que não há ninguém vacinado e cem por cento imune a possíveis desvios éticos.

Ter humildade e reconhecer fragilidades é passo fundamental na construção de robustas defesas de compliance no exercício do poder!

 

autor: Jedaias Jorge Salum. Engenheiro Mecânico pela PUC-MG, com pós-graduação em Tecnologia de Obtenção de Celulose pela USP/IPT/ABTCP e MBA em Gestão Empresarial pela FGV Belo Horizonte. Atuou por mais de 34 anos na Cenibra, empresa do setor de papel e celulose, nos últimos 7 anos como Assessor da Presidência, responsável pelo Planejamento Estratégico, Comunicação Corporativa, Relações Institucionais, Gestão de Compliance, coordenador do Comitê de Sustentabilidade, do Comitê de Compliance e Gestão de Riscos e das Reuniões da Diretoria. Atuou na área comercial por 14 anos, tendo assumindo inicialmente a gestão da assistência técnica aos clientes, em seguida a Gerência Comercial, encerrando esta passagem como Gerente de Marketing e Assistência Técnica da empresa. Iniciou as atividades na Cenibra em 1982 como Engenheiro Projetista, tendo desenvolvido e implantado vários projetos industriais de aumento da capacidade produtiva. Em 1989 assumiu a Gerência do projeto da área de Recuperação e Utilidades da duplicação da fábrica. Iniciou sua carreira profissional na área de projetos mecânicos da Usiminas, onde trabalhou como projetista por mais de seis anos.