CULTURA PARA INTEGRIDADE: Como avaliar?

Tive a honra de ser membro da delegação brasileira, junto com mais dois membros, para representar o Brasil, em nome da ABNT, no Comitê ISO 278  para elaboração da norma – Sistema de Gestão Antissuborno – ISO 37001:16.

Juntamente com mais 65 experts de mais de 33 países e entidades presentes como o Transparência Internacional, tivemos oportunidade de ouvir, discutir e entender o que acabou constando do preâmbulo da própria norma: O Sucesso do Sistema de Gestão Antissuborno depende da Cultura da Organização.

Gostaria de compartilhar minha visão para os seguintes requisitos: COMPROMETIMENTO DA ALTA DIREÇÃO, POLÍTICA ANTISSUBORNO E TREINAMENTO E CONSCIENTIZAÇÃO: NORMA ISO 37001:16 SISTEMA DE GESTÃO ANTISSUBORNO, dos quais transcrevo alguns em especial.

 

A ISO 19600:14 na Diretriz “A evidência de uma cultura de compliance é indicada pelo grau em que: os empregados compreendem a relevância das obrigações de compliance relacionadas às suas próprias atividades e às de sua unidade de negócios; Os empregados são habilitados e incentivados a levantar preocupações de compliance ao nível de gestão apropriado”.

 

A cultura da Organização expressa seus valores. Os valores são construídos não somente com base naquilo que está escrito, mas sim naquilo que é vivido, no dia a dia, e o caminho que se percorre, que formam um conjunto de experiências que validam ou não aqueles valores que estão descritos em políticas.

A cultura e os valores da organização são percebidos e materializados pela soma das experiências de cada um. O papel da liderança na construção e fortalecimento das bases culturais de uma organização é crucial.

As políticas e código de conduta determinam para as pessoas naquela organização o que é certo. Independentemente da ética individual de cada pessoa, o sistema de gestão determina, esclarece e monitora as condutas desejadas para atuar naquele ambiente corporativo. Nenhum sistema nasce ou vai ser perfeito, mas ele desenvolve a capacidade de ir se ajustando, sempre num processo de melhoria contínua, sustentado pela cultura organizacional.

Implementar um Sistema de Gestão de Compliance ou Antissuborno permite a organização iniciar um ciclo para uma nova cultura, e isso entra num processo de retroalimentação, o Sistema dando os parâmetros para essa nova cultura, e a cultura sustentando o Sistema.

Além do “Tom da Alta Direção” (seu discurso, suas práticas e exemplos, seu comprometimento na geração de recursos e determinação das políticas e autoridade), não é possível sustentar um Sistema de Gestão Antissuborno sem “conscientização, treinamento e educação” constantes e de maneira eficaz.

 

Vamos rever então o que dizem alguns subitens dos requisitos da ISO 37001:16 (mantendo a correlação com os itens da norma):

 

5.1.2 Alta direção

 

A alta direção deve demostrar liderança e comprometimento com relação ao sistema de gestão antissuborno para:

 

b) assegurar a integração dos requisitos do sistema de gestão antissuborno nos processos da organização;

g) dirigir e apoiar o pessoal para contribuir para a eficácia do sistema de gestão antissuborno;

h) promover uma cultura antissuborno apropriada dentro da organização;

j) apoiar outros papéis pertinentes da gestão para demostrar como sua liderança na prevenção e detecção do suborno  se aplica às áreas sob sua responsabilidade;

k) encorajar o uso de procedimentos de relato para subornos reais ou suspeitos (Ver 8.9); assegurar que o pessoal não sofrerá retaliação, discriminação ou ação disciplinar (Ver 7.2.2.1 d) por relatos feitos de boa fé ou com base em uma razoável convicção de violação ou suspeita de violação da política antissuborno da organização, ou por se recusar a participar do suborno, mesmo que tal recusa possa resultar na perda de um negócio para a organização (exceto quando o indivíduo participou da violação);

 

 

5.2 Política antissuborno

 

A alta direção deve estabelecer, manter e analisar criticamente uma politíca antissuborno que:

 

a)   proíba o suborno;

f) encoraja o levantamento de preocupações com base na boa fé ou em uma razoável convicção na confiança, sem medo de represália;

h) explique a autoridade e independencia da função de compliance antissuborno; e

i) explique as consequências do não cumprimento da política antissuborno.

 

 

7.3 Conscientização e Treinamento

 

A organização deve prover treinamento e conscientização antissuborno adequados para o pessoal . Estes treinamentos devem abordar as seguintes questões, como apropriado, levando-se em conta os resultados do processo da avaliação de risco de suborno (ver 4.5):

a) a política antissuborno, os procedimentos e o sistema de gestão antissuborno da organização, e sua obrigação de cumpri-los;

b) os riscos de suborno e os danos causados a eles e à organização que podem resultar do suborno;

c) as circunstâncias nas quais suborno pode ocorrer em relação às suas obrigações, e como reconhecer essas circunstancias;

d) como reconhecer e responder a solicitações ou ofertas de propina.

e) como eles podem ajudar a prevenir e evitar suborno e reconhecer indicadores-chave de riscos de suborno;

f) sua contribuição para a eficácia do sistema de gestão antissuborno, incluindo os benefícios do desempenho antissuborno  e de relatar suspeitas de subornos;

g) as implicações e  potenciais consequências de não estar em conformidade com os requisitos do sistema de gestão antissuborno;

h) como e para quem eles  são capazes de relatar quaisquer preocupações (ver 8.9);

i) informações sobre treinamento e recursos disponíveis.

O pessoal deve receber “conscientização e treinamento” antissuborno regularmente em bases regulares (a intervalos planejados definidos pela organização), como apropriado aos seus papéis, aos riscos de suborno a que eles estão expostos, e quaisquer mudanças de circunstâncias. Os programas de conscientização e treinamento devem ser atualizados periodicamente, quando necessário para refletir novas informações pertinentes.

 

A organização deve reter informação documentada sobre os procedimentos de treinamento, o conteúdo do treinamento, e quando e para quem ele foi dado. 

 

Não se deve cair na armadilha de  que o simples fato de haver uma política expressa e publicada nas paredes e em meios digitais da organização, bem como no site da empresa já seria o suficiente para determinar que tal requisito esteja atendido,  bem como haver registros de que o pessoal assinou um documento no momento da sua integração ou que haja um registro de treinamento para os colaboradores, está de bom tamanho e razoável.  Evidência de Cultura, requer ir além.

 

Quem melhor para refletir a boa implementação de um Sistema de Gestão Antissuborno, e sua contribuição para com os objetivos do Sistema,  e também demonstrar a cultura de uma organização, do que aqueles que participam dela, que realizam os processos no dia-a-dia.

 

Então cabe aqui uma reflexão que poderá servir de base para diagnósticos, auditorias e até mesmo, porque não, para os processos de certificação. Ir além de papéis/registros  é necessário. Compliance gera uma cultura de controles e registros. Os controles são necessários, mas as atitudes, comportamentos, consciência e crenças são ESSENCIAIS.

 

Sobre o quê os colaboradores deveriam estar conscientes? O que conversar com eles? O que perguntar a eles?

 

  • O que significa conflito de interesses?
  • Quais são os conflitos de interesse abordados pela organização? Você saberia informar quais seriam os conflitos de interesse a serem evitados na sua função?
  • Quais são as situações que poderiam ser interpretadas como suborno? Mesmo que não haja intenção?
  • Como funciona a política de presentes da Organização?
  • Você se sente encorajado e empoderado para levantar preocupações, suspeitas e ocorrências de suborno na sua organização?
  • Você sabe quais são os canais que pode recorrer para isso?
  • Você poderia levantar uma preocupação sem passar pela sua chefia imediata?
  • Você levantaria uma preocupação que envolvesse seu colega de trabalho ou sua própria chefia?
  • Quais os exemplos de circunstâncias e riscos de suborno ou desvio das políticas, que você deveria reconhecer e reagir nas suas rotinas de trabalho?
  • O que você poderia fazer se tivesse dúvida quanto a uma solicitação que te parece “indevida” ou que vá contra os procedimentos do Sistema de Gestão Antissuborno? Independente de quem te faz a solicitação?
  • Quais são as consequências ou medidas disciplinares que você tem conhecimento que poderiam impactar em você, caso você se envolva ou omita uma situação de suborno?
  • Quais os treinamentos que recebeu desde que entrou na organização ou quando da Implantação do Sistema de Gestão Antissuborno?
  • Quem participou do seu treinamento? Quem deu o treinamento?
  • Os Diretores, Gerentes e outros líderes participam desse tipo de treinamento, junto com os colaboradores?
  • Sua chefia imediata dialoga com vocês sobre esses temas?
  • Como você pode contribuir para que os objetivos antissuborno da organização sejam atingidos?

 

 

E para finalizar: O que significa Integridade para você?

 

Um programa de Compliance ou Sistema de Gestão Antissuborno que venha a contribuir para a cultura de Integridade, quando aqueles que realizam as operações e os objetivos de negócio, não sejam abordados ou não consigam falar sobre as questões acima.

 

 

Autora:  Rosemary França Vianna. MBA em Gestão de Negócios pelo BI-FGV, Especialização em Competências de Professor pelo BI-FGV, Especialização em Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, MBA em Master Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching & FAPPESP, Curso de Governança Corporativa pelo IBGC, Curso de Compliance Anticorrupção pela LEC – Legal Ethics Compliance, Curso de Investigação Interna de Compliance pela LEC – Legal Ethics Compliance. Graduada em Administração de Empresas com especialização em Comércio Exterior. Atuou como Diretora Estatutária durante 15 anos dirigindo Unidades de Negócio da Multinacional Suíça SGS Líder em Testes e Certificações, Certificação de Sistemas de Gestão em Responsabilidade Social e Integridade, Meio Ambiente, Saúde e Segurança, Energia, Desempenho, Qualidade, Regulatórios de Produtos de Consumo, em programas voluntários, compulsórios e setoriais, sendo responsável pela Estratégia & PNL, gestão financeira e operacional, acreditações, bem como pela integridade dos negócios em suas Divisões. Foi membro do Comitê de Assessoramento técnico para acreditação e certificação da CGCRE – Inmetro – 2008 a 2013, membro e Presidente Interino da ABRAC – Associação dos Organismos de Avaliação de Conformidade – 2012 a 2013, Membro da Sociedade Brasileira de Coaching, membro do Conselho Deliberativo da Fundação Abióptica. Convidada como palestrante em painéis setoriais de Certificação de Biocombustíveis e Ethanol Summit 2009, e participou na elaboração de Programas de Regulação setorial, com foco em riscos mercadológicos, operacionais, regulatórios e proteção de marca. Atua no mercado em consultoria para Compliance regulatório, treinamentos, due diligence e coach para negócios.

  • Membro do Editorial Drafting Group do Comitê ISO PC 278: Anti-bribery management system
  • Membro da comissão especial de estudo da ABNT ISO 37001 Sistema de Gestão Antissuborno
  • Membro da comissão de estudo de Gestão de Riscos (ABNT/CEE-063), para trabalhos referentes a ISO/DIS 31000
  • Membro do Conselho Deliberativo da Fundação Abióptica
  • Membro do MDB – Mulheres do Brasil
  • Participação na ACI´s 6th Brazil Summit on Anti-Corruption
  • Participação no 1º. Encontro Internacional de Compliance e Investigação Interna WF Faria